domingo, 31 de julho de 2011

Uma bomba viral prestes a explodir no SUS

Nos últimos quatro anos o número de tratamentos para hepatite C no SUS ficou praticamente estagnado, atendendo uma media entre 10.000 e 11.000 pacientes a cada ano, número insignificante se considerarmos que para atender os aproximadamente 3,5 milhões de brasileiros infectados com hepatite C os quais se hipoteticamente fossem todos diagnosticados, pelo menos a metade deles apresentaria uma fibrose F2 e necessitariam tratamento imediato.

É urgentemente necessário se estabelecer uma estratégia de diagnostico e preparar uma infra-estrutura com capacidade de atendimento para tal demanda. Por exemplo, poderíamos calcular que seja possível nos próximos 10 anos diagnosticar a metade dos infectados com fibrose superior a F2, o que resultaria em aproximadamente 700.000 infectados e demandaria ao longo do tempo tratamento para 70.000 pacientes a cada ano.

Uma ação desse tipo nem deveria ser considerada da área da saúde e sim uma ação humanitária, pois evitaria conforme a historia natural da progressão da hepatite C a morte de aproximadamente 25% dos diagnosticados, representando 175.000 brasileiros salvos da morte.

O atual ministro da saúde sabe disso, a situação foi apresentada no mês de março e responsavelmente ficou de formar imediatamente um grupo de trabalho para elaborar um plano estratégico de enfrentamento das hepatites, lamentavelmente, passados 90 dias nenhuma providencia ainda foi tomada. Estamos sentados acima de uma bomba viral e o pavio está acesso!

Provavelmente pela magnitude do problema ou até pelo seu custo o desafio está sendo deixado para "explodir" no futuro. Uma morte causada pela hepatite não diagnosticada é silenciosa, não causa impacto nos jornais, não se transformando em um problema político. Dos 3,5 milhões de brasileiros infectados, se não diagnosticados e tratados, 25% deles poderão evoluir para uma cirrose ou um câncer na próxima década, mas como as quase 1 milhão de mortes serão anônimas e silenciosas os gestores da saúde provavelmente estejam estimando que não cause maior incômodo para a administração pública.

Saúde pública se faz para atender demanda e como não existe diagnostico o problema não aparece e por tanto não é necessária qualquer providencia. Dos 3,5 milhões de infectados 95% ainda não foram diagnosticados.

O tratamento atual consegue curar aproximadamente a metade dos pacientes. Desde 2002 o SUS forneceu tratamento gratuito a mais de 60.000 pacientes. A metade deles não obteve a cura e aguarda ansiosamente a chegada já em 2012 dos novos medicamentos que conseguem a cura de 75% dos tratados.

Esses 30.000 não respondedores ao tratamento realizado estarão seguramente batendo as portas do SUS nos próximos meses, se somando aos 11.000 novos pacientes que atualmente lotam totalmente a atual capacidade de atendimento. O caos no sistema está anunciado e não se observa qualquer movimento no ministério da saúde para enfrentar o desafio imediato.

Será difícil atender a demanda que será solicitada e o tratamento da hepatite C é complicado e será ainda mais complicado com os novos medicamentos, demandando maior tempo e atenção dos médicos com cada paciente.

Os novos medicamentos mudam totalmente o panorama da hepatite C por serem capazes de curar a maioria dos infectados. Infelizmente no Brasil, o avanço da medicina será prejudicado pela falta de infra-estrutura adequada, ocasionada pela falta de um plano estratégico para enfrentamento das hepatites.

Agência de Notícias das Hepatites

Prioridades X Necessidades????

Na saúde é sempre assim; inventam um termo ou jargão e vão passando adiante o acessório e esquecendo o principal: o cidadão. Todos nós cidadãos brasileiros, temos nossos direitos adquiridos na Constituição. Porém nossos direitos se perdem no vazio das Câmaras Municipais, Assembléias Legislativas, Câmara Federal e Senado (vazio de boa fé por parte dos nossos representantes eleitos).

O que é mais importante:

Uma sorologia para hiv e marcadores de hepatites virais para a gestante ou para uma pessoa aparentemente saudável que deseja realizar os testes?

Remédio para câncer para uma pessoa com CA ou remédio para hepatite c para um infectado?

Um ortopedista de plantão num hospital para uma pessoa com fratura, ou um oftalmo para o trabalhador com um corpo estranho na vista que pode lhe causar uma cegueira?

Vulnerabilidade, acesso, acolhimento e atores, são palavras bonitas porém inócuas diante da triste realidade que vemos e constatamos. Não é dinheiro que falta, (podemos ver no DNIT) são propósitos e transparência daqueles que foram eleitos por nós para legislar. Enquanto os desvios de dinheiro, corrupção e inoperância da máquina pública persistirem, haverá falta de medicamento, exames e morte; muita morte desnecessária de pequenos brasileiros, índios brasileiros, cidadãos brasileiros e imigrantes.

Enquanto debatemos estes importantes temas em nossos fóruns, as pessoas perdem a identidade nas macas dos hospitais em enfermarias (quando dão sorte), corredores, agonizam no asfalto, em seus lares e sofrem nas frias ruas embaixo das marquises. São tantos os tantos os problemas sociais que 100 páginas não seriam suficientes para elencar, e não há necessidade de nenhuma nova fórmula para resolver que a gente não conheça.



Cláudio Costa

Grupo Amarantes

segunda-feira, 4 de julho de 2011

O mito da mulher limpinha

CRISTIANE SEGATTO

É fácil pegar hepatite B e C na manicure. Por que não dá para confiar na esterilização feita nos salões de beleza

Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 15 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismo. Para falar com ela, o e-mail de contato é cristianes@edglobo.com.br

Nunca conheci uma mulher que não faça as unhas. O mercado profissional das manicures é curioso. Quando a economia vai bem, as plaquinhas que anunciam vagas se multiplicam pelas cidades – dos salões luxuosos às bibocas mais improvisadas. Quando a economia vai mal e o desemprego avança, as manicures são as últimas a sentir a crise. O salário delas passa a sustentar a família. Manicure não fica sem trabalho. É serviço de primeira necessidade – às vezes disputado no grito pelas clientes.

Se todas as mulheres e muitos homens frequentemente sofrem ferimentos provocados pelos alicates – os terríveis “bifes” – quem garante que não sairão do salão infectados por um vírus que pode ser fatal?

Ninguém garante. A existência de autoclaves e estufas nos salões não é garantia de coisa alguma. Foi o que descobri ao entrevistar a professora de enfermagem Andréia Schunck, do Hospital Emílio Ribas, em São Paulo.

Em seu doutorado, Andréia decidiu investigar de que forma as manicures contribuem para a disseminação das hepatites. Ninguém sabe ao certo quantos são os portadores dos vírus B e C no Brasil. Estima-se algo entre 1,5 milhão e 4 milhões. É gente demais.

Esses vírus provocam inflamação no fígado. São um gravíssimo problema de saúde, como contou o médico Drauzio Varella na coluna da semana passada. Drauzio vai levantar o assunto na nova série do Fantástico, que estreia no dia 17.

Os vírus podem danificar o fígado durante décadas sem dar o menor sinal. Quando o doente o descobre, já infectou várias outras pessoas por meio do contato com material perfurante ou nas relações sexuais. Muitas vezes a doença já chegou à fase de cirrose ou câncer. O único recurso passa a ser o transplante. Ele é disputado numa fila cruel, mais longa que a do coração e a dos rins. Grande parte dos pacientes morre antes de conseguir o órgão.

É chocante perceber que todo esse sofrimento poderia ser evitado se normas básicas de higiene fossem efetivamente cumpridas. Andréia visitou cem salões de beleza da capital paulista. Na periferia, no centro, nos shoppings, nos bairros nobres. A metodologia foi rígida. Para evitar qualquer viés que invalidasse os dados, pediu ao Datafolha que dividisse as regiões da cidade por amostragem. O instituto de pesquisa informava um ponto de referência em cada bairro. Uma banca de jornal, uma padaria, uma loja.

A partir dele, a missão de Andréia era caminhar aleatoriamente até encontrar o primeiro salão de beleza. Ao encontrá-lo, se apresentava e fazia a pesquisa. “No Brás, caminhei duas horas e meia até achar um salão. Durante toda a pesquisa emagreci 16 quilos”, diz ela. O esforço valeu a pena. Trata-se de um estudo inédito no mundo.

Andréia passava de seis a dez horas em cada salão. Entrevistava as manicures, observava como elas trabalham e colhia sangue para verificar se tinham o vírus da hepatite B ou C. Em TODOS os salões, encontrou práticas inadequadas.

As manicures não lavavam as mãos depois de atender cada cliente, não lavavam o material antes de colocá-lo no equipamento de esterilização, não usavam as autoclaves corretamente etc. Em um deles, as profissionais achavam que colocar os alicates no forninho elétrico seria suficiente. Tiravam pães de queijo da assadeira e colocavam os alicates no lugar. Inútil. O calor do forninho não é suficiente para matar os vírus.

Até nos salões mais badalados, frequentados por celebridades e divulgados como templos exclusivíssimos do luxo e da beleza, Andréia observou pelo menos um descuido capaz de permitir a transmissão dos vírus.

As manicures não têm noção do risco que correm. Podem pegar a doença das clientes caso se machuquem com o material usado.O mesmo pode acontecer se fizerem as próprias unhas com o material infectado pelas clientes. Andréia observou que essa é uma prática mais comum do que se imagina.

Num dos salões mais chiques de São Paulo, Andréia quis saber por que a manicure não usava luvas. A moça respondeu:

“Não tem perigo. Minhas clientes são limpinhas”.

Tentar adivinhar a condição de saúde de alguém pelas pistas sugeridas pela boa aparência e pela condição social privilegiada é uma tremenda bobagem. Passar a tarde no ofurô, entregar as chaves da BMW ao manobrista e desfilar uma Louis Vuitton por semana não torna ninguém imune aos vírus. Eles não fazem distinção entre os limpinhos e os sujinhos. Os vírus têm um único objetivo neste planeta: crescer e se multiplicar. Para cumprir essa missão com eficiência, é preciso infectar as pessoas sem matá-las rápido demais. Quanto mais tempo o hospedeiro sobreviver e espalhar a praga, mais descendentes os vírus colocarão no mundo.

É exatamente o que fazem os vírus da hepatite B e C. O vírus B é cem vezes mais infectante que o da aids. Tem a capacidade de permanecer vivo em superfícies por até sete dias. A pessoa infectada é capaz de viver décadas sem notá-lo. A mulher que contrai o vírus B na manicure pode transmiti-lo ao parceiro se não usar camisinha nas relações sexuais. A transmissão sexual do vírus C é controversa e rara, mas os especialistas dizem que ela também pode ocorrer. “Parece estar restrita a alguns grupos de risco com práticas sexuais anais e traumáticas”, diz Raymundo Paraná, presidente da Sociedade Brasileira de Hepatologia.

Entre as manicures, a prevalência dos vírus da hepatite é maior que na população geral. Foi o que Andréia comprovou. Os exames de sangue demonstraram que 10% das profissionais entrevistadas estavam infectadas. O vírus B apareceu em 8% da amostra e o vírus C em 2%.

A forma mais segura de se proteger da doença é a vacinação. Existe vacina para o vírus B, mas não para o C. O SUS oferece a vacina contra hepatite B a grupos específicos (profissionais da saúde e do sexo, imunossuprimidos, coletores de lixo etc). As manicures fazem parte dessa lista, mas apenas 15% das mulheres entrevistadas por Andréia sabiam que tinham direito à vacina.

As manicures também tinham muitas dúvidas sobre a forma correta de higienizar o material. Para não correr risco de se infectar ou de infectar as clientes, a profissional precisa cumprir todos os passos a seguir. Na próxima vez em que for ao salão, observe se eles realmente foram cumpridos. É provável que você se assuste:

1) Antes de atender cada cliente, lavar as mãos ou usar álcool gel

2) Colocar as luvas. Usar um novo par a cada cliente

3) Usar lixa e palito descartáveis (um para cada cliente)

4) Abrir o pacote com o material esterilizado na frente da cliente

5) Usar uma toalha limpa ou descartável para cada cliente

6) Lavar os alicates, a espátula e outros instrumentos metálicos reutilizáveis com água, sabão e escova

7) Enxugar esse material com toalha limpa e colocá-lo no envelope especial para esterilização

8) Selar o envelope e colocá-lo na estufa ou na autoclave

9) A estufa não pode ser aberta durante a esterilização. Se uma manicure abrir a porta da estufa enquanto outra deixou o material lá dentro, a esterilização fica comprometida. É preciso manter a estufa funcionando durante uma hora ininterrupta, à temperatura de 170 graus

10) A autoclave é mais fácil de controlar porque funciona como uma panela de pressão. Basta colocar o envelope, fechá-la e esperar até o final da esterilização.

Se você gostou desses passos, espalhe o link e contribua para a saúde de todos. Outra opção é fazer um kit e levar o seu próprio material ao salão. Não basta levar apenas o alicate. “Levo acetona, esmalte, palito, espátula, alicate, tudo”, diz Andréia. Ela tem dois ou três alicates. Manda afiá-los nas mesmas casas especializadas onde as manicures compram o material de trabalho.

Neurose demais? Pode ser, mas estou convencida de que o sofrimento provocado pelos vírus da hepatite é infinitamente maior. “O erro de muitas mulheres é desvincular a saúde da beleza”, diz Andréia. “É importante cuidar da beleza. Mas com saúde”.

(Cristiane Segatto escreve às sextas-feiras)

E você? O que observa nos salões de beleza? Como se protege? Conte pra gente. Queremos ouvir sua história.